domingo, 14 de abril de 2013

O real imaginado

Este blog teve a sua primeira postagem em 23 de abril de 2010. Daqui a alguns dias estará completando 3 anos. Olhando agora todos os posts percebi o quanto aprendi em todos os sentidos ao longo desse tempo. Mas não vou falar sobre isto agora. Estou deixando este comentário apenas para registrar uma coisa que eu nem lembrava mais, a data que comecei a brincar de ser blogueira. Volto aqui depois para contar o que me levou a dar a este blog o nome O real imaginado. Nunca havia visto esse título como nome de blog, de livro, de documentário, de Mostra cinematográfica, entre outras coisas. Preciso fazer mais algumas pesquisas para escrever aqui sobre as minhas motivações, inspirações ou outra coisa qualquer. Enfim porque resolvi chamar o meu blog com o nome que tem desde o seu início. Deixo abaixo algumas imagens e um resumo de um trabalho de antropologia que são uma ponte para a explicação do porque do nome do meu blog.






Ética, investigação e trabalho de campo em Antropologia e na produção audiovisual
José da Silva Ribeiro Universidade Aberta 

Resumo: Há múltiplas analogias entre a Antropologia ou etnologia e cinema.Uma e outro se interrogam sobre a realidade e sobre o que é a realidade e a representação, o ponto de vista, atenção cuidadosa ao detalhe, ao micro social, ao frágil. Não é pois possível separarmos Antropologia e cinema no que se refere à metodologia e ao processo de realização. Ambos partem do real ou do real imaginado, detêm-se no detalhe, baseiam a construção discursiva na observação, na ideia – sobretudo no olhar e no escutar e no ponto de vista, e na montagem. A prática de terreno e a montagem é marcada pelas mesmas questões éticas e políticas. 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

O conto de uma suposta revolução (o que viu a menina)

Por Rejane Maria Siqueira Cavalcanti





Tinha, então, 7 anos. Foi no ano de 1964,  no fatídico dia 1 de abril. No grupo escolar a diretora passava nos corredores, entrava nas salas de aula e bradava revolução, revolução. Alunos dispensados, dispersados entre 9 e 10 da manhã. Uma manhã clara, cheia de sol. O que é revolução, pergunta a seu irmão que também estudava na mesma escola; soldados armados, é como uma guerra, responde. Foram para casa, ficava próxima da escola e iam caminhando. Soltaram as bolsas com os materiais escolares e se dirigiram para a casa dos avós, que ficava na avenida, onde moravam muitos tios e tias. Ali, ficaram a brincar na calçada com as crianças da vizinhança e tudo parecia uma festa, carros passavam, pessoas passavam e as crianças, felizes por terem sido dispensadas das aulas, aproveitavam para curtir aquele momento juntas. Havia uma tia, solteira; dedicava aos sobrinhos o amor que não conseguiu dedicar a filhos, porque não os teve. Criava uma delas, já mocinha, que entrará na história adiante. Titia, o que é revolução, perguntava a menina; menina, revolução é tiro, é confusão, ai meu Deus. A tia preocupada com o seu irmão, pai da menina e do menino, e com o outro irmão, pai da sobrinha que criava. Preocupada também com a mãe das duas crianças que brincavam na calçada, os seus sobrinhos mais novos, a menina e o menino. A mãe deles trabalhava como funcionária pública civil em um quartel do exército e havia saído cedinho para o serviço no outro lado da cidade. Não havia celular nesta época, nem computador. As TVs demoravam a dar as notícias, e os rádios, acho que ainda estavam apurando. E assim, esperavam no subúrbio, notícias dos parentes. Mais tarde, quando a mãe chegou, informou que o centro da cidade fervilhava, que tudo estava muito tenso. Fora mandada de volta pra casa quando chegou ao trabalho. Ao se dirigir à parada de seu ônibus para voltar pra casa, não conseguiu passar, e um senhor de meia idade lhe disse, não vá senhora, está muita confusão naquele lado. Era em frente ao Palácio do Governo, a parada, e o exército rodeava tudo, com metralhadoras e canhões apontados para as janelas e portas do Palácio para que o governador não fugisse. Não fugiu, saiu pela porta da frente, mas foi feito prisioneiro e mais tarde enviado para fora do país, como exilado político. Os dois irmãos, pais dos sobrinhos, também haviam passado por situação constrangedora. Um deles era dono de um barracão em um engenho de cana de açúcar, o outro, pai dos dois pequenos, trabalhava para ele. O barracão foi rodeado por camponeses armados com foices, que viam no seu dono a imagem do próprio patrão. Por pouco a tragédia não ocorreu. Os camponeses, que tentavam se rebelar contra o golpe de estado, terminaram deixando-os ir embora.  Havia também outros dois sobrinhos, irmãos entre si, um deles já pai de família. Ambos trabalhavam na Agência Nacional, que foi fechada. O mais velho, tempos depois, teve de sair da cidade porque não conseguia trabalhar. Foi tentar a sorte no sul, onde talvez não fosse perseguido, já que por lá não era conhecido. Levou consigo a mulher e quatro crianças pequenas. O outro primo, o mais novo, militava também no movimento dos estudantes secundaristas e viu, neste dia, colegas serem mortos no centro da cidade. Esta história, a do sobrinho secundarista, irá se prolongar e merece um outro conto. Mas só para dá uma ideia, entrou para a Faculdade aos 18 anos e se tornou militante do movimento estudantil universitário e depois do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Foi para a clandestinidade. O silêncio, os sussurros e o medo passou a reinar nas casas de toda aquela família.








Mas a menina cresceu e aos poucos foi se inteirando das consequências do que havia ocorrido naquele 1º de abril. Não eram mentiras contadas, eram fatos reais que atingiram e perturbaram não só a família da menina, o crescimento da menina, mas de muitas outras meninas e meninos, mães e pais, tios e tias, e de muitos outros jovens, homens e mulheres de muitas outras famílias de todo o Brasil.
A menina cresceu e foi aos poucos sendo informada, dos primos presos (um primo e um prima), inicialmente prisões rápidas, fruto da participação destes no movimento estudantil, especialmente após o famigerado ano de 1968, a partir do mais famigerado ainda Artigo Institucional nº 5 (AI5), que tornou os dias do povo brasileiro, bem mais escuros. E que levou muitos jovens à clandestinidade, à prisão e ao exílio, entre eles os primos da menina. 


O governador Miguel Arraes de Alencar sendo levado preso pelos oficiais do golpe em 1964

Jonas José Albuquerque Barros - estudante secundarista morto no Recife no ano de 1964               


 Ivan Rocha Aguiar - estudante secundarista morto no Recife no dia 1º de abril de 1964

O primo caçado, preso debaixo de balas, torturado e depois vindo a cumprir 9 anos de prisão. A prima que foi para o Araguaia com o marido e de lá para o exílio no Chile e depois no Canadá.
Este conto poderia se prolongar, mas ele termina aqui e depois, quem sabe, inicia de novo, não mais tendo como personagem uma menina, mas uma mulher que participou ativamente do Movimento Nacional pela Anistia, que se casou com o primo preso político e que gerou uma criança dentro da prisão. Que viu o primo/companheiro e seus amigos enfrentarem muitas greves de fome dentro do cárcere. Viu os retratos dos mesmos serem estampados nos jornais da época como terroristas, mas viu especialmente, uma geração de verdadeiros heróis, que de início, para a menina que cresceu e virou uma jovem estudante universitária, eram verdadeiros mitos. Porque sim, esses jovens foram barbaramente torturados, muitos perderam as suas vidas e os seus corpos são até hoje dados como desaparecidos. Para os que lutaram bravamente, de todas as formas, pelo fim da ditadura militar no Brasil, especialmente para os que morreram, estão desaparecidos ou foram presos e torturados, a menina hoje mulher tem o dever de contar e recontar as suas histórias sobre essa época, quantas vezes forem necessárias, “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.


Prisioneiros políticos na Penitenciária Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá - dentre eles, o primo da menina



Na verdade, a data deveria ser 1º de Abril de 1964