por Marco Belpolit
Publicado em português na página Cultura e Barbárie - Sopro, traduzido da publicação original no La Estampa, publicação esta datada de 16 de Fevereiro de 2010.
Publicado em português na página Cultura e Barbárie - Sopro, traduzido da publicação original no La Estampa, publicação esta datada de 16 de Fevereiro de 2010.
Adeus, revolução? Sim, o seu lugar foi tomado pela revolta. De Clichy-sous-Bois,
na periferia parisiense, em 2005, até Atenas em 2008, até o ataque dos
estudantes londrinos em 2010, ou até a passeata dos estudantes ganhar as ruas
de Roma anteontem, a revolta parece ter tomado o lugar das forças
revolucionárias. A revolta não tem projeto, não se projeta no tempo futuro.
Como sustentou um dos seus teóricos, o germanista e mitólogo Furio Jesi, morto
justo há trinta anos, emSpartakus. Simbologia della rivolta, texto de
publicação póstuma, «antes da revolta e depois dela se estendem a terra de
ninguém e a duração da vida de cada um, nas quais se perfazem ininterruptas
batalhas individuais». Evocando Rimbaud e a Comuna de Paris, Jesi afirmava: «Só
na revolta a cidade é sentida como o haut-lieue
ao mesmo tempo como a própria cidade»; na hora da revolta não se está mais
sozinho, mas se está no fluxo cambiante do Nós, entidade provisória e lábil,
extática e violenta.
Depois do fim das ideologias, depois da queda do Muro de Berlim e
do triunfo do pensamento único, no Ocidente como no Oriente, em Nova York como
em Xangai, a revolta suspende o tempo histórico e cria o instantâneo; é o
triunfo do presente contraposto ao futuro. Não se espera mais o dia da
conclusão do longo processo revolucionário. A revolta instaura um tempo extático,
escreve Pierandrea Amato, um dos teóricos das novas revoltas metropolitanas, o
aqui e agora. Walter Benjamin relata como, no decurso da Comuna de Paris, os
revoltosos dispararam contra os relógios, símbolo do tempo escandido pelo
progresso, pela disciplina do trabalho. A revolta não prevê, mas vive no
repentino; não pressupõe nem mesmo uma classe social que tomará o poder, mas só
indivíduos atomizados, que no curso das insurreições espontâneas, não
preparadas e contagiosas, se tornam uma força provisória. Se as revoluções
cultivavam o sonho do ataque ao Palácio de Inverno, conquista do centro
simbólico do poder, a revolta advém de modo molecular com o intento de
condicionar materialmente o andamento normal das coisas.
Depois da revolta nada é mais como antes. Para os seus teóricos –
Paolo Virno, um dos filósofos italianos hoje mais citados no mundo, mas também
os franceses Alain Badiou e Jacques Rancière – a revolta é o análogo da
catástrofe, do colapso a que nos habituou o novo capitalismo financeiro, a única
resposta possível a uma sociedade que não parece mais ter nenhum fundamento
certo, nenhuma teoria com a qual justificar o próprio domínio, a não ser a
coerção, o uso da força ou a sedução do consumo. Vivemos na época do desastre,
como havia intuído na metade dos anos sessenta Susan Sontag.
A revolta é filha da crise da democracia representativa que no
Ocidente, por causas complexas, parece ter perdido a própria função histórica.
Os revoltosos, movidos por razões freqüentemente diferentes, mostram, nas periferias
urbanas francesas como no centro de Roma, nas ruas de Atenas como nas
localidades ao redor de Nápoles, o emergir de uma política que se põe para além
do sistema que hoje a representa: são a expressão de uma caótica e espontânea
vontade de viver, oposta e simétrica àquela que na Itália domina a cena
política maior. Pierandrea Amato, em La
rivolta, publicado recentemente, escreve que a revolta é um vento que traz
consigo a própria auto-desintegração.
Os garotos que correm com os capacetes e escudos pelas ruas, que
sobem nos monumentos, que aparecem e desaparecem nas banlieues, tocando fogo nos
automóveis e nas latas de lixo, mostram a existência de um campo de forças que
escapa às categorias políticas tradicionais, ao marxismo e ao pós-marxismo
tanto quanto às teorias neoliberais. A revolta acontece, do mesmo modo que um
evento artístico, uma manifestação momentânea, uma performance. Não se pode
representá-la nem de forma política nem espetacular; é um acontecimento
extático, mais próximo das formas religiosas, da festa, do que das estruturas
da representação política, tais como um partido ou um parlamento: vive, não se
representa. A sociedade do espetáculo que dominou nos últimos vinte anos,
realizando a profecia de Guy Debord, agora tem diante de si uma série de
acontecimentos não capturáveis nas formas do espetáculo midiático.
Aquilo que, em definitivo, a revolta desestrutura é a idéia mesma
da identidade política. O Nós aparece e desaparece, e suspende o tempo
histórico em favor daquele que os gregos chamavam Kairos: o justo instante, o
golpe de vista, aquele em que o atleta perfaz o movimento justo, supera o
adversário, cruza a linha de chegada. Devemos preparar-nos para viver num tempo
diverso daquele que marcou as vidas dos nossos pais e avós, um tempo que não
tem uma única direção, ou uma destinação predeterminada, mas que acontece e ao
mesmo tempo colapsa, que se mostra e se subtrai. O Homo seditiosus é o campeão
de uma humanidade que sai às ruas hoje, mas também amanhã e depois de amanhã,
para realizar «uma arte sem obra».
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