sábado, 26 de abril de 2014

A Mesa Vermelha

Documentário exibido por Tuca Siqueira exibe depoimentos de 23 ex-presos políticos no período da ditadura militar no Recife . Veja neste aqui A Mesa Vermelha


Documentário exibido por Tuca Siqueira exibe depoimentos de 23 ex-presos políticos no período da ditadura militar no Recife, entre 1969, com a promulgação do AI 5 e 1979, com o advento da Lei da Anistia. Acompanha este documentário o debate entre os participantes,ao redor de uma mesa vermelha,sobre temas relacionados ao período da ditadura passando pelo golpe de 64, pela guerrilha do Araguaia, pela luta dentro das prisões em prol da anistia ampla, geral e irrestrita até a conjuntura atual.
A riqueza do material produzido extrapolou o espaço de um filme e expandiu-se nesse site que ora apresentamos. 
Os depoimentos individuais dos protagonistas onde cada um conta suas experiências de militância, prisão política e torturas a que foram submetidos também poderão ser acessados.
A Mesa Vermelha é fruto do Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça em parceria com o Movimento Tortura Nunca Mais de Pernambuco, idealizado e coordenado pelas também ex presas políticas Yara Falcon e Lilia Gondim.



quarta-feira, 23 de abril de 2014

Noite de terror no #OcupaTelerj

Rio de Janeiro - entre 2 e 3 horas da madrugada, sexta feira da Paixão de Cristo.
Desabrigados que foram expulsos da favela Oi-Telerj que ocuparam o espaço público em frente da Prefeitura do Rio de Janeiro porque não tinham para onde ir, revivem a Paixão de Cristo. Sofrem na pele o mesmo calvário. A Guarda Municipal e o Batalhão de Choque da Polícia Militar da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, numa ação covarde, sádica e sem a menor complacência, avançam sobre mulheres, crianças e homens forçando-os a saírem de onde estavam. Espalhando terror por todos os lados, avançavam até naqueles que tentavam fugir indo para pontos de ônibus ou em direção à Central do Brasil para pegarem trens. Choro de crianças, gritos de mulheres se ouviam por todos os lados. Alguns ativistas estavam por lá, dentre eles o pessoal do Coletivo Carranca que mostrava tudo ao vivo. Muitas pessoas não tinham para onde ir e ficaram espalhadas pelas ruas, vindo a se agruparem depois e pedir apoio na Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro. 
A Arquidiocese do Rio de Janeiro, no entanto, lhes negou abrigo e ainda cancelou a encenação da Paixão de Cristo no dia seguinte. Mas, para que encenação se ali estavam os protagonistas dessa PAIXÃO? 
Abaixo, o vídeo que mostra tudo, desde a remoção até a caminhada e a chegada das pessoas na Catedral do rio de Janeiro.


Às vezes, tento ser engraçada, mas me falta a leveza necessária para isso. Às vezes, tento ser poeta, contista, jornalista, mas me falta a destreza com as palavras. No entanto, não me falta inspiração e indignação. Esta, mesmo sem o texto adequado, nunca me faltará.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

Para Maria da Graça – Paulo Mendes Campos
Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, Maria, é louca.
Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de estar aqui sozinha!” O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: “Oh, I beg your pardon” Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: “Gostarias de gato se fosses eu?”
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “A corrida terminou! mas quem ganhou?” É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: “A minha história é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance”. Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance só é o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energeticamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo” Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta a parábola perfeita: Alice tinha diminuido tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor. Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: “Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”.
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

domingo, 6 de abril de 2014

Velhos Companheiros



A Mesa Vermelha, filme da cineasta pernambucana Tuca Siqueira. O enredo retrata as experiências - através de depoimentos - de 23 militantes de organizações de esquerda durante a ditadura militar, desde suas atividades como militantes, até a época em que estiveram detidos, inicialmente na Casa de Detenção do Recife (hoje Casa da Cultura) e depois na Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá, Pernambuco.

Abaixo, texto de Rosa Bezerra, feito logo após assistir a apresentação do filme no cinema São Luis, em Recife

VELHOS COMPANHEIROS

           Quase todos de cabelos brancos, muitos já sentindo o peso da idade e, por que não dizer, das dores sofridas nos cárceres da ditadura.  No entanto, quando se reúnem o riso vem fácil, a alegria os leva de volta àquele tempo de juventude, onde tudo era possível, até libertar uma nação de seus algozes.
            A conversa rola solta. Os olhos brilhantes (às vezes, marejados), as lembranças que lhes tira as rugas e o passar dos anos, os fazem voltar no tempo. Perguntam pelos ausentes, tiram dúvidas sobre acontecimentos passados, algumas ações de que tiveram notícias à distância, em outros estados ou em outros momentos.
            Falantes, alegres, gesticulam sem parar na tentativa de passar para o ouvinte os sentimentos da época, os sonhos sonhados, as lutas pelos ideais, as aventuras vividas, toda uma gama de sensações e toda uma vida jogada sem pudor, nas pequenas chances de vitórias. O monstro da ditadura era gigantesco e contava com armas, munições, e todo um aparato poderoso que esmagava os mais aguerridos nomes da resistência. E havia os cooptados, os delatores sob tortura, os delatores espontâneos, os “caçadores” de comunistas, os reacionários de plantão, os bajuladores de Tio Sam.
            Percebemos pelos relatos que não existe vergonha pelo sofrimento passado, mas um orgulho desmedido pelo sacrifício à liberdade, muitos deles afirmando que fariam tudo de novo, mais bem feito. Continuam na luta, continuam vigilantes. Mas o tempo é outro, o tempo é agora. E agora não existe aquele tempo, aquele idealismo, aquela solidariedade, aqueles jovens que perdiam a juventude e, muitos deles, a própria vida em prol de um ideal.
            O tempo de cadeia não os humilhou; ali lutaram com outras armas: orquestrando reivindicações, greves de fome, defendendo os companheiros, cada um cuidando do outro ou brigando por coisas bobas, como disse um deles. E cada um que era libertado vivenciava um misto de alegria e tristeza: sair da masmorra e deixar os amigos de luta. Viver livre e não estar ao lado dos que continuam lutando na prisão. Houve até um caso de voltar à prisão para pernoite por ser feriado e não ter pra onde ir.
            Houve, quando da saída de alguns, a certeza de que a liberdade estava próxima e a incerteza do que o esperava lá fora. Alguns foram libertados e continuaram, sob vigilância discreta dos órgãos de repressão; outros não encontraram mais sua vida de volta com facilidade, pois não conseguiam emprego. O monstro ainda os torturava na vida civil.  E atemorizava a todos com suas aberrações. Ou seja, havia o caso dos desaparecidos. E com eles a dor eterna de uma despedida por fazer, de um ritual por cumprir, de uma mãe que não enterra o corpo do filho. E algumas mulheres sem marido, filhos criados sem conhecer o pai, filhos que carregam a imagem dos pais torturados, dos pais que não se despediram, que saíram prometendo voltar e os deixaram com a promessa não cumprida. Filhos que não esquecem “a cara amarrada”, e que, apenas muito tempo depois, entendem o que isso queria dizer.
            A ditadura ainda persegue a muitos com seus mortos insepultos, com suas histórias ocultadas, com os gritos desesperados dos torturados que ainda ecoam na memória, com os pedidos de ajuda que não puderam ser atendidos. O monstro ainda mostra os dentes aos sobreviventes que insistem em trazer à tona, o passado tenebroso de um país sem memória. A historiografia oficial não admite ser contestada. Ou como diz um dos militantes: “os canhões ainda estão apontados”. O que pode ser facilmente comprovado pela arrogância com que os torturadores desfilam na sociedade e comemoram o golpe, apesar de termos uma presidenta que foi vítima da sanha destes mesmos usurpadores da democracia e dos direitos humanos.
            Em resumo, o encontro e o diálogo com os herois do país nos faz agradecer a quem lutou o bom combate e arriscou a vida em prol de um ideal hoje ausente na juventude, presa aos ideais de um pensamento pós-moderno, onde o individualismo mata sorridente, a solidariedade e a humanidade.
            Atualmente, o imaginário coletivo preza a necessidade individual, menosprezando, inclusive, a noção de sobrevivência da espécie humana, diferentemente das outras espécies ditas “inferiores”. A vida nas grandes cidades brasileiras (e do mundo, também) mostra-se demasiadamente agressiva egoísta, valorizando o parecer ter mais que qualquer outro objetivo. Matamos-nos por motivos os mais banais, ao sinal da menor contrariedade. A atual juventude, herdeira da modernidade, afia os dentes e rosna à menor dificuldade. Vivemos um tempo de mortes banalizadas, de tragédias reveladoras de uma sociedade doente e fratricida.

             OBRIGADA, COMPANHEIROS!

                                                                                               
  ROSA BEZERRA, 28.05.2013.