sábado, 25 de junho de 2016

Mais sobre o BREXIT - plebiscito britânico sobre sair ou permanecer na União Europeia

Por Ricardo Rangel

Os partidários do Brexit podem justificá-lo como quiserem, mas é indiscutível que a decisão dos ingleses é a vitória do isolacionismo, da incompreensão e da ruptura sobre o diálogo, a tolerância e o esforço conjunto.
Um extraterrestre que tenha visitado a Terra há oito anos, se voltar agora, ficará perplexo. Naquela época, o mundo vivia uma bonança econômica jamais vista. Os EUA preparavam-se para eleger seu primeiro presidente negro, que prometia acabar com a guerra no Iraque. A Europa era um país só, harmonioso e vibrante. A China crescia a taxas de dois dígitos, modernizava-se, e acreditava-se que em breve se tornaria uma democracia. O Brasil crescia, criava uma vasta classe média e prometia resgatar seus excluídos; o Rio de Janeiro começava a enfrentava, com sucesso, o problema de violência.
De lá para cá, a bolha imobiliária americana estourou, jogando o país na pior crise desde o crack da Bolsa em 1929; sem os EUA, a bolha de crédito europeia estourou, criando uma crise ainda pior do que a americana, e seus integrantes vivem às turras. A China aterrissou e as promessas democráticas foram adiadas indefinidamente. Na ausência dos americanos, o Estado Islâmico se tornou um pesadelo dez vezes pior do que a Al-Qaeda. A guerra civil na Síria destruiu o país e gerou uma multidão de desabrigados, que assombra a Europa — talvez por causa disso ninguém perceba que o Iêmen também foi destruído por uma guerra civil criada por Arábia Saudita e Irã. A desolação na África parece que conseguiu a proeza de ficar ainda pior.
O medo, a incerteza e a incompreensão levaram ao recrudescimento do ódio, da intolerância e da estupidez, expressos no apoio a forças obscurantistas como Marine Le Pen, na França, ou Donald Trump, nos EUA. E a vitória do Brexit, digam seus partidários o que quiserem, está ligada a essa tendência.
O Brasil, sem bolha, Síria ou EI, atirou-se de maneira espontânea e deliberada na maior crise de sua história, que não tem data para acabar, e nem vou falar do que acontece no Estado do Rio de Janeiro (o prefeito da cidade do Rio diz que está tudo bem, mas é melhor não falar disso antes das Olimpíadas).
“Que queda foi aquela, camaradas!”
Desculpem atrapalhar a sexta-feira.

BREXIT - mais um NÃO que é global

Por Bruno Cava Rodrigues


É preciso entender o componente de recusa, sabotagem e indignação que aparece em plebiscitos como o "Oxi" (não) grego, há um ano, ou no Brexit do Reino Unido, ontem. É o mesmo ímpeto de negação do estabelecido que também aparece na votação de candidatos anticasta, no Podemos, nas plataformas municipalistas espanholas (Ada Colau, Manuela Carmena...), como também no 5Stelle na Itália, onde uma outsider de 37 anos, Virginia Raggi, venceu neste mês a eleição para prefeitura de Roma. Todos opondo-se aos políticos e empresários que gerem a ditadura financeira vigente. O ensinamento é global e poderia também ser transposto ao Brasil. Não existe fora à indignação suja, ambígua e polivalente que irrompe da crise das instituições do capitalismo global, uma crise da representatividade que ceifa à direita ou à esquerda dos partidos. Não tem bandeira e não se importa de votar em Freixo e Bolsonaro ao mesmo tempo, porque quer afrontar o sistema. Há uma inteligência nessa revolta, que está em rejeitar esquemas oferecidos, paralisar dialéticas reconfortantes: esquerda x direita, progressismo x neoliberalismo, anti-imperialismo. O levante de junho de 2013 já demonstrou que os indignados não vamos sair com programas sobre as cabeças elaborados por cúpulas partidárias, nem aderiremos em massa a respostas do mesmo sistema político-econômico que nos trouxe ao protesto em primeiro lugar. O terremoto abalou os bunkers políticos, varreu as suas certezas e abriu um terreno imprevisível e perigoso e é bom que assim seja. O discurso da "ascensão do fascismo" como necessidade histórica é derrotista: oferece uma metanarrativa ao fracasso das esquerdas enquanto imputa a culpa à sociedade, que estaria mais à direita do que nós, as nossas bolhas de conforto, os nossos projetos derrotados. É a própria inação, seus nojos identitários e pânicos morais, que persegue a realização desse diagnóstico como sentido da história. Não adianta lamentar o movimento antipolítico ou anticorrupção como instrumental exclusivamente para a reação, nem ridicularizar aqueles que, não encontrando alternativas, cospem em tudo o que está aí. É preciso sair dessa armadilha, cartografar as nuances, recompor as trajetórias passo a passo, inovar as categorias e agir, assumir apostas práticas.