quinta-feira, 28 de abril de 2011

Carta à Excelentíssima Presidenta Dilma Roussef

 21 de April de 2011


 Eu já assinei. Se você também quiser assinar, vá ao Mobiliza Cultura site em construção que publicou esta carta e "é um movimento e uma rede de redes que tem como objetivo avançar, aprofundar e propor politicas no campo da cultura que radicalizem a democracia".


Excelentíssima Presidenta Dilma Rousseff,


Esta carta é uma manifestação de pessoas e organizações da sociedade civil e busca expressar nosso extremo desconforto com as mudanças ocorridas no campo das políticas culturais, zerando oito anos de acúmulo de discussões e avanços que deram visibilidade e interlocução a um Ministério até então subalterno. Frustrando aqueles que viam no simbolismo da nomeação da primeira mulher Ministra da Cultura do Brasil a confirmação de uma vitória, essa gestão rapidamente se encarregou de desconstruir não só as conquistas da gestão anterior, mas principalmente o inédito, amplo e produtivo ambiente de debate que havia se estabelecido.
Os signatários desta carta acreditam na continuidade e no aprofundamento das políticas bem-sucedidas do governo Lula. Essas políticas estão sintetizadas no Plano Nacional de Cultura, fruto de extenso processo de consultas públicas que foi transformado em lei sancionada pelo presidente, e que agora está sendo ignorado pela ministra. Afirmamos que, se a gestão anterior teve acertos, foi por procurar aproximar o Ministério das forças vivas da cultura, compreendendo que há um novo protagonismo por parte de indivíduos, grupos e populações até então tidos como “periféricos”, entendendo as extraordinárias possibilidades da Cultura Digital. Essa não é apenas uma discussão sobre ferramental tecnológico e jurídico, mas sobre todo um novo contexto criativo e cultural, pois essas tecnologias têm sido apropriadas e reinventadas em alguma medida por esses novos atores. É nesse território fundamental, da inserção da Cultura Digital no centro das discussões de políticas culturais do Ministério e da busca da capilaridade de programas como o Cultura Viva, com os Pontos de Cultura, que a Ministra sinalizou firmemente um retrocesso.
Ao bloquear o processo de reforma da lei dos Direitos Autorais, ignorando as manifestações recebidas durante 6 anos de debates, 150 reuniões realizadas em todo o país, 9 seminários nacionais e internacionais, 75 dias de consulta pública através da internet que receberam 7863 contribuições, a Ministra afronta todo um enorme esforço democrático de compreensão e elaboração. Se há uma explicação constrangedora nessa urgência em barrar uma dinâmica política tão saudável, é a de vir em socorro a instituições ameaçadas em seus privilégios, como o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) e as associações que o compõem, que apoiaram de forma explícita e decidida as políticas culturais e o candidato derrotado no pleito eleitoral presidencial.
Mas esse “socorro”, como dissemos, se dá ao arrepio da Lei 12.343 de 2 de dezembro de 2010, que aprovou o PNC, estabelecendo claramente a obrigação de reforma da Lei dos Direitos Autorais (conforme os itens 1.9.1 e 1.9.2 que determinam “criar instituição especificamente voltada à promoção e regulação de direitos autorais e suas atividades de arrecadação e distribuição” e “revisar a legislação  brasileira sobre direitos autorais, com vistas em  equilibrar os interesses dos  criadores, investidores e usuários,  estabelecendo relações contratuais mais  justas e critérios mais  transparentes de arrecadação e distribuição”). Ao afirmar que o texto da lei é “ditatorial” e que a proposta construída durante o governo Lula é “controversa” e não atende os “interesses dos autores”, a Ministra deliberadamente mistura o interesse dos criadores com o dos intermediários, e contrabandeia para o seio do governo Dilma precisamente as posições derrotadas com a eleição da Presidenta.
A questão da retirada da licença Creative Commons do portal do MinC também merece ser mencionada, por seu simbolismo. O Ministério da Cultura do governo Lula foi pioneiro em reconhecer que as leis de direito de autor estão em descompasso com as práticas desta época, e que seria imperioso aprimorá-las em favor dos criadores e do amplo acesso à cultura. Esse avanço foi expresso no PNC no item 1.9.13, que prevê  ”incentivar e fomentar o desenvolvimento de produtos e conteúdos culturais intensivos em conhecimento e tecnologia, em especial sob regimes flexíveis de propriedade intelectual”. Ao contrário do que tem dito a ministra, as licenças CC e similares visam regular a forma de remuneração do artista, e não impedi-la. Elas buscam ampliar o poder do autor em relação à sua obra e adaptar-se às novas formas de produção, distribuição e remuneração, aos novos modelos de negócio que essas tecnologias possibilitam.
Assim, entendemos que as iniciativas da atual gestão do Ministério da Cultura não são fiéis nem à sua campanha presidencial, nem ao Plano Nacional de Cultura e nem à discussão acumulada, representando, na melhor das hipóteses, um voluntarismo desinformado e desastroso, e na pior delas um retrocesso deliberado. Apoiamos a Presidenta Dilma Rousseff em sua manifestada intenção de continuar valorizando e promovendo a cultura brasileira, fortalecendo uma liderança global em discussões onde a nossa postura inovadora vinha se destacando dos modelos conservadores pregados pela indústria cultural hegemônica dos Estados Unidos e da Europa. Para isso é necessário que o Ministério da Cultura se coadune à perspectiva do governo Dilma, de compreender, aprofundar e ampliar as conquistas das políticas culturais do governo Lula.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

De Belém para o mundo: um artista que toca a nossa alma

Carmen Lúcia Bandeira e Urian Agria de Souza são dois grandes amigos. Publiquei abaixo um texto de Carminha, como a chamo, e agora tenho a honra de postar aqui uma entrevista que ela fez com Urian, seu companheiro, e que foi publicada no excelente site pernambucano Interpoética.
Urian é um artista plástico e também  escritor amefricano e negríndio, como ele mesmo se denomina. Conheçam um pouco a vida de Urian e o seu trabalho através desta entrevista. Vale muito a pena, porque, como disse uma pessoa que comentou a entrevista lá no Interpoética, "Urian e Carminha estão passando por esse tempo e não simplesmente marcando-o, mas rasgando-o com um canivete encantado de alegrias, cores e alegorias".

                                                        URIAN AGRIA DE SOUZA



por Carmen Lúcia Bezerra Bandeira

Nascido em Belém do Pará, em 13 de agosto de 1939, o artista plástico Urian Agria de Souza viveu até os quinze anos imerso no universo mítico da Amazônia, inserido nos mistérios da floresta e banhado pelas águas da Baia de Guajará.
Seu avô paterno comandava os navios que trafegavam pelo rio Amazonas, de Belém até Iquitos no Peru. Sua volta incluía muitas histórias e uma imensidão de iguarias típicas da Amazônia. Foi naquele ambiente que fez a sua iniciação à leitura e à escrita, sob a batuta de uma tia com nome de sereia – Nereida.
O outro ramo da família era formado por alfaiates e costureiras. Na convivência com eles aconteceu a iniciação à pintura durante os serões na alfaiataria, ainda muito criança.
Nos anos 80/90 foi professor de desenho e pintura na PUC/ Rio.
Como um peregrino, atravessou inúmeras vezes os estados de Minas, Bahia, Ceará e Pernambuco. Em 1972, fez o percurso navegável do rio São Francisco, que designa como a grande viagem da sua vida.
Ainda em Belém, por muitas razões, teve contato com a cultura pernambucana. Principalmente, o frevo. Na Copa do Mundo de 1950, através de um álbum de figurinhas com todos os times do Brasil, descobriu o Clube Náutico Capibaribe, nome que soou aos seus ouvidos como um poema e se mantém até hoje.
Há quinze anos, Urian está morando no Recife e “por coincidência” nessa cidade está emergindo sua consciência poética na escrita. Seu livro A cor da palavra foi premiado no concurso de literatura infantil e juvenil da CEPE e em breve será lançado.
Há doze anos nos encontramos e permanecemos juntos, às vezes nos estranhamos, mas sempre confabulamos, rimos muito, inclusive de nós mesmos. Desde o primeiro dia descobrimos um sem número de interesses comuns na cultura, o que alimenta os nossos compartilhamentos e os trabalhos de criação.

Quem é Urian Agria de Souza?
Sou um mestiço. Negríndio. Amefricano. O Agria descende do espanhol – um espanhol que casou com minha bisavó, uma africana. O Souza, vem do português, que casou com uma ancestral minha, indígena. Essas ancestralidades viveram no estado do Pará. Meus pais e eu somos de Belém.

Negríndio... amefricano... você não incorpora o europeu nessa síntese da sua ancestralidade mestiça?
Pois é...talvez porque eu me sinta mais íntegro me definindo assim. Integro, no sentido de inteiro...

Você explicou de onde vem o Agria e o Souza... e Urian? Não é um nome muito comum. Qual é a história do seu nome?
O meu nome Urian instalou em mim o compromisso de compreensão desse ser mestiço brasileiro da Amazônia, o que me levou a estender meu olhar e encaminhar meus passos por vastas regiões do país. Tentar me conhecer, conhecendo bem de perto meu povo. E isso com certeza se estenderá até a minha morte. É a minha razão de viver.

Explique melhor porque você afirma que o seu nome instalou esse compromisso ?
Meu nome não saiu de nenhum calendário quando eu nasci. Ele nasceu de um sonho de minha mãe, interpretado num terreiro, quando ela ainda namorava o meu pai. Sintetizando: no sonho ela via um caboclo pescador que seria o protetor deles dois. O nome do caboclo era Urian e minha mãe determinou que seria o nome do seu primeiro filho. Sendo eu o primogênito, tive a sorte de ganhar este nome.
Pela própria história do meu nome, me fascinou a idéia de conhecer, de penetrar essa visão cósmica de meus ancestrais.

Pelas informações enciclopédicas, o nome Urian pode ser de origem bíblica: uma variação de Urias, marido de Betsabá... ou de Uriens, marido de Morgana e pai de um dos cavaleiros do Rei Artur, da Távola Redonda. Como é que esse nome foi parar no meio dos índios da Amazônia? Você tem algum conhecimento a respeito disso?
Não.

E porque a sua mãe foi interpretar o sonho no terreiro? Ela tinha ligação com a umbanda?
Até onde eu sei, foi minha avó que levou o sonho até sua mãe de santo. As relações da minha família materna eram ligadas aos cultos afro-brasileiros. O terreiro em que se deu àquela interpretação, eu não sei exatamente qual era. O que lembro é que acompanhando meus familiares, atravessei um vasto território daqueles cultos. Inclusive alguns deveriam ser de pajelança.
Essas vivências me fascinam desde minha infância.

Eu já ouvi um antropólogo afirmar que a umbanda é a religião mais brasileira, porque parte da cosmologia dos índios nativos, porém incorpora os encantados de outras culturas que para aqui migraram, dando uma feição local e expressando, no campo da religiosidade, esse espírito mestiço. Você concorda com isso?
A preocupação com o mais isso, mais aquilo é desses pesquisadores. A minha ocupação é como essas vivências concretas me construíram como ser humano. O que me fascina é pensar como há muitos milênios os seres humanos foram organizando o universo desde o seu território naquele tempo ainda muito restrito. Não me interessa “a verdade”. Me interessa essa fantástica capacidade humana de pensar, de conhecer.

Você parte dessas referências então para desenvolver sua linguagem como artista?
Como elas são muito fortes e muito vivas em mim, é delas que eu parto para minha particular e pessoal aventura de conhecer. A pintura é, antes de tudo, meu espaço privilegiado de pensamento e reflexão.

Seus amigos tinham conhecimento da sua identidade como artista plástico, de modo que muita gente está surpresa com este prêmio de poesia... desde quando você faz poesia? Quando surgiu este interesse?
Eu também fiquei surpreso com o prêmio. Eu tive um estímulo muito grande, desde minha infância, para a leitura e a escrita. Assim, ler e escrever para mim, foi sempre normal. Objetivamente, quando estou pintando ou desenhando, conservo sempre ao meu lado um papel para anotar idéias que surgem no próprio processo de pintar. Com o tempo, por gostar de algumas idéias escritas, eu simplesmente ia elaborando. Dando forma. Até que minha companheira, (no caso, você, Carmen Lúcia), me estimulou a reunir muitos desses escritos em livro. Já tem uns dez anos essa interlocução entre nós dois.

É sugestivo o título do seu livro - A cor da palavra - principalmente quando se sabe que quem escreveu foi um artista plástico, um pintor... mas o que é mesmo essa cor da palavra? Como é essa força da pintura se transmutando, virando palavra?
O título A cor da palavra surgiu naturalmente. O que acontece é que eu tenho um grande interesse pela pintura e por poesia... sempre tive... comecei a estudar pintura na escolinha de arte do Brasil, com Augusto Rodrigues e Tiziana Bonazolo. Em seguida entrei na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no curso de Ciências Sociais, por ser apaixonado por história e antropologia. Até que descobri que a minha paixão maior era a pintura. Fiz vestibular para a Escola Nacional de Belas Artes, para cursar Pintura. Essa determinação foi porque eu pretendia estudar com muita disciplina. Hoje fico feliz quando lembro disso. O quanto foi importante esse tempo de fundação no meu aprendizado. Assim foi com a pintura, mas eu sempre escrevi. A consciência do poético na escrita eu não sei como aconteceu! Eu simplesmente fui escrevendo, principalmente enquanto eu pintava e desenhava.

Pelo que sei, você pinta desde criança e é capaz de rememorar com muita precisão situações em que se via pintando, até altas horas, enquanto seus tios alfaiates trabalhavam.. quer falar sobre isso?
As minhas lembranças mais remotas estão aí. Eu com aquarela e lápis de cor, que eu ganhava de meu bisavô materno. É impressionante que ainda hoje eu tenha na memória, o cheiro, o aroma, de determinados lápis de cor. Os meus avós maternos e meus tios eram alfaiates e costureiras e permanentemente faziam serões que se estendiam até muito tarde da noite. Eu era posto numa cadeira alta numa ponta da mesa da alfaiataria, com meus papéis, lápis e aquarelas. Nem eu atrapalhava eles, nem eles me atrapalhavam. Eu acho que foi aí que eu fiquei apaixonado pela noite como tempo de pensar, tempo de criar.

E a poesia, qual é o lugar da poesia nas suas lembranças de infância? Você se lembra escrevendo poesia na infância? Quando você percebeu essa “vocação” de poeta?
Eu lia muito na minha infância... o estímulo na minha casa era muito grande com relação a leitura. Aliás, os jornais naquele tempo, tinham espaços permanentes para os poetas de Belém. Inclusive quando eu fui para o Rio de Janeiro, aos quinze anos de idade, o Diário de Notícias, tinha um Caderno de Cultura com muita poesia... e o Jornal do Brasil também...
Então, a leitura, a literatura e a poesia foram muito presentes na minha infância e na minha escola primária nós éramos muito estimulados a escrever.

O que significa pra você esta premiação no concurso de literatura infantil e juvenil da CEPE?
Em primeiro lugar, é louvável como política pública. Em segundo lugar é um concurso em que você se candidata usando um pseudônimo, o que significa isenção na leitura dos textos pela comissão de seleção e premiação.
Eu ter sido premiado dessa forma me dá uma alegria muito grande e conforto. Não sendo eu pernambucano e ter recebido esse prêmio aumenta ainda mais o amor que eu tenho por este estado e sua cultura. Mesmo morando no Rio de Janeiro, permanentemente eu atravessava o Nordeste, principalmente Pernambuco. Então, esse amor é antigo. E morando aqui, me possibilita conhecer mais, ter mais intimidade com esse povo.

Pra você o que é literatura juvenil? Você acha que os seus poemas estão bem definidos nesta categoria?
Acho que sim, porque muito do que eu escrevo se refere às minhas memórias de infância e adolescência. Às minhas vivências, urbanas, suburbanas, rurais, em vários lugares do país. Me parece que isso pode ser estímulo para os jovens, reconhecerem o seu próprio lugar, a sua própria cultura, a sua própria existência. Desenvolver e aprofundar esse olhar é se reconhecer, conhecer a humanidade a partir dessa parcela significativa da vida humana.
Isso eu reconheço agora, mas não escrevi para crianças ou jovens, ou mesmo adultos. Simplesmente escrevi a partir desses meus sentimentos e visões. Ao me inscrever, achei que eles caberiam na classificação de literatura juvenil.

Que poemas do livro você escolhe para ilustrar essa entrevista?

ÉBANO

Ébano       porque é a cor dos que resistem
aos cortes incisivos da história
na carne e nos espíritos humanos.
Ébano       porque é o som das canções
que permanecem suspensas sobre o Atlântico
poderoso choro-lamento.
Ébano       porque só a poesia sustenta no ar
a força de viver, ainda que seja
sobre um doloroso oceano.

FÓSSIL

As águas se foram
e me guardei pedra.
Anos, séculos, milênios.
Integrados,
somos um só minério:
um velho desenho,
uma escrita,
uma lição
de solidariedade.
.............................................................



Maravilha! Quer acrescentar alguma coisa à entrevista? Agradecer à equipe da Interpoética ou falar um pouco mais da cultura pernambucana?
Há setenta e dois anos, atravessando os muitos Brasis, é claro que eu tenho um milhão de histórias pra contar, pra rir e pra chorar (eu sou muito chorão). Foi um prazer e uma alegria enorme receber o convite do Interpoética.com para falar um pouco de minha história. São momentos em que verdadeiramente tomamos consciência do nosso existir e do nosso fazer.
Com relação à cultura pernambucana, ela me excita por estar impregnada de muitos arcaísmos que também são meus. Em permanente convivência com as muitas contemporaneidades. Essa vitalidade me alimenta e me dá muito mais força para amar a vida.

Obrigada, Urian. E obrigada também equipe do Interpoética.com por esta oportunidade de tomarmos consciência do nosso existir e do nosso fazer, de forma tão simples e agradável.





segunda-feira, 25 de abril de 2011

25 de Abril - Portugal







Tanto Mar

Chico Buarque

Composição : Chico Buarque
Sei que está em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim

quarta-feira, 20 de abril de 2011

POLITICA DE LEITURA, LINGUAGEM E A (ANTI) DEMOCRATIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO


 Recebi este email de uma grande amiga minha e a primeira coisa que me veio à cabeça foi postar o documento que ela enviou em anexo aqui neste espaço. Trata-se de uma reflexão a respeito de livros, leitura, biblioteca, especialmente as populares. Chorei quando li o desabafo de Carminha, porque ele revela o tamanho do descaso das autoridades públicas para com essa questão. A minha amiga é uma pessoa que tem uma sensibilidade infinita para as questões referentes à educação com um foco todo peculiar para a questão da leitura. Ela já trabalhou em ONGs e em Secretarias de Educação aqui no Recife e já deu várias oficinas de leitura em lugares os mais diversos. Tenho uma adimiração muito grande por Carminha, tamanho o seu empenho, durante muitos anos, no trabalho com comunidades carentes e por sua relação com a educação popular. Quero ver o texto de Carmem Lúcia Bandeira espalhado aos quatro ventos, mesmo porque, li em algum outro lugar, aqui na internet mesmo, que o problema da educação no Brasil é a falta de bibliotecas, é a pouca leitura de nossa população. A pessoa que escreveu isto, comparava a nossa situação com a de outros países latinos com muito mais dificuldades que o nosso, mas que tinham feito um esforço especial em construir bibliotecas e espalhar livros por todos os cantos, incentivando crianças, adolescentes, jovens e adultos para a aquisição do hábito da leitura. O que, segundo o autor  (ainda vou descobrir o lugar onde li, para citá-lo por aqui) vem dando excelentes resultados.Eu e com certeza Carminha e muitos outros, concordamos que a única arma que podemos e devemos ter em mãos, é o livro. E que de nada adianta tanto dinheiro gasto com capacitações de professores, computadores na escola, construção de prédios melhores (claro que isso tudo é importante), se não dermos ao povo o que ele realmente precisa, condições de trabalho e moradia, bibliotecas abundantes por todos os bairros e vida cotidiana de qualidade.
Obrigada Carmen, por ter compartilhado comigo as suas reflexões.
Seguem o email e o texto de Carmen


Bom dia, Rejane
Tá chegando o tempo de nosso encontro, né? vamos ficar alertas dessa vez, pra ver se acertamos logo as agendas... olha, tô te repassando este texto que escrevi a partir de uma experiência que vivi semana passada na Biblioteca Caranguejo Tabaiares... Pedro Américo era o poeta que deveria inaugurar a atividade e como ele não foi, mandei uma mensagem pra ele reclamando e dando início a esta reflexão... ele achou interessante e me provocou a transformar a mensagem nesse documento e fazer circular nos fóruns  e entre os interessados por este debate.

Um abraço
Carminha


POLITICA DE LEITURA, LINGUAGEM  E  A  (ANTI) DEMOCRATIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO







Na última quarta-feira à noite (12 de abril) compareci  a uma biblioteca comunitária para assistir à atividade  Encontro com o poeta, que deveria ter sido inaugurada, mas, por um ruído de comunicação, acabou não acontecendo.

As crianças ficaram frustradas e eu também, mas, por outro lado, pude testemunhar uma sucessão de fatos dramáticos  relacionados ao cotidiano de uma biblioteca comunitária, que não podem deixar de ser considerados pelos gestores de políticas públicas, uma vez que dizem respeito ao propósito da democratização do acesso à leitura e rebatem diretamente no exercício de compartilhamento das linguagens, no aprendizado do uso coletivo dos bens culturais e na apropriação democrática do espaço urbano.

O aspecto que  me chamou a atenção, de imediato,  foi a quantidade de crianças, inclusive muito pequenas, que procuram o espaço da biblioteca comunitária à noite. No entanto, o lugar é tão pequeno, que  não comporta mais do que quinze crianças em seu interior e por isso,  várias tiveram que voltar para casa, sob a justa alegação das mediadoras de leitura de que não havia mais vagas.

Vi uma criança de mais ou menos seis anos, voltar pra casa chorando, segurando na mão da irmã mais velha e fiquei entristecida ao pensar que precisamos de tragédias iguais a da escola do Realengo, para produzir notícias sensacionalistas e nos indignar, pois perdemos, ao que parece, a capacidade de nos sensibilizarmos diante da violência velada do dia a dia, que de tão naturalizada, torna-se dificilmente percebida.

Fiquei a me perguntar como é possível dimensionar ou dar visibilidade à violência contra uma criança de seis anos, que para ter acesso a um livro de literatura e ouvir uma história, precisa sair de casa à noite, quando o livro deveria estar ao seu encalço, numa pequena estante no seu quarto. Pra ela ler ou folhear as páginas, sozinha, interagindo com as imagens e as palavras,  se esse for o seu desejo; ou pedir à mãe, ao pai, ou à irmã mais velha para ler ou contar história para ela. E poder comentar, alimentar a imaginação e povoar os sonhos com as aventuras e os personagens das histórias.

Mas quantas crianças dispõem desse ambiente doméstico, com dependências básicas como um quarto, uma cama, estante com livros de histórias e uma mãe, ou um pai, ou um irmão / uma irmã  maior, que conte história para elas  antes de dormir?

Quem teve o privilégio do acesso a ambientes domésticos, impregnados de livros, jornais, revistas e conviveu com adultos que naturalmente liam e escreviam, não tem dúvida de que este é o caminho privilegiado de acesso ao mundo letrado.

O difícil, talvez, seja imaginar que a maioria das crianças não tem livro de literatura infantil ao seu alcance nas próprias casas. Além de relacionar o impacto direto desse fator com a questão da repetência escolar;  com o desafio enfrentado pelos professores das escolas públicas para ensinar a ler a quem não convive naturalmente com o universo das letras.

Por isso, doeu ver a menina que por não ter livros de histórias em casa procurou a biblioteca comunitária para ter acesso ao patrimônio universal que são os clássicos da literatura, - e que, por direito, todas as crianças deveriam conhecer desde a mais tenra idade, como advoga a escritora Ana Maria Machado - e recebeu um NÃO, pela simples inexistência de vaga.   

Ela voltou chorando, certamente porque também não conta com o espaço da rua, que é exíguo para a  convivência livre com as outras crianças; para brincar de pega, de cantar e tirar verso na roda;  para compartilhar histórias contadas pelos adultos, nas noites de lua, sob o céu estrelado.

Se na casa falta o quarto e não tem lugar na biblioteca, a rua também é estreita, esburacada, pouco iluminadas e as crianças ficam expostas a tantas ameaças, que de tão óbvias, dispensam detalhamentos.

Por outro lado, eu até que tentei contar história ou fazer leitura compartilhada com as crianças que conseguiram entrar, mas era impossível pedir que se sentassem em círculo, pois o espaço é realmente muito apertado e me impacientei com tanto desconforto!

Para completar, há um excesso de igrejas na rua tão estreita, que fazem suas pregações em volume tão alto que prejudica qualquer esforço de comunicação através da conversa e da voz natural. E sons e televisões provocando uma poluição sonora tão absurda, que fica difícil  falar em política de leitura com o tolhimento absoluto do espaço natural da (con) versação.

Fiquei a me perguntar por que os gestores das políticas públicas, os militantes da educação ambiental, os conselhos e a câmara de vereadores não exercem um monitoramento rigoroso ou iniciam um trabalho educativo de peso para fazer valer a já promulgada Lei do Silêncio? Isto tem que valer para as residências, para os bares, carros e bicicletas de som e para as igrejas também!

Foi tão grande o impacto emocional desta experiência que não parei mais de pensar na relevância do espaço da biblioteca pública como indicador de qualidade de uma política de leitura. Faria uma grande diferença se  essa política fosse realizada em parceria com outras entidades e envolvesse, inclusive,  a qualificação dos ambientes das bibliotecas comunitárias, pois há que se saber ler este sinal, partindo das próprias comunidades, que expressa uma demanda salutar da população pelo direito à leitura, que começa com o espaço da palavra, com o aprendizado do uso expressivo da voz, com o exercício da livre criação poética e literária.

Assim sendo, é mais do que tempo de considerar que uma política de leitura vai muito mais além do que os programas de distribuição de acervos, que na sua maioria são realizados sem fazer estudo do usuário e sem envolvê-lo na escolha; além disso, não leva em conta a situação dos ambientes para receber os livros, seja no que se refere à dimensão espacial; seja no que se refere à formação de pessoal qualificado para realizar os procedimentos de catalogação; seja pra  manter um programa cultural e permanente de formação de leitores,  envolvendo a apreciação e o desenvolvimento das diferentes linguagens.

Seria muito importante fazer parceria com a universidade (curso de Biblioteconomia, Letras, Educação, Artes), além de outras instituições congêneres, para pensar programas de formação de mediadores e projetos de intervenção cultural que deveriam priorizar o uso expressivo da voz, o exercício da criação literária e poética, a pesquisa da memória e dos mitos locais, a articulação e desenvolvimento das linguagens, o conhecimento e a busca de comunicação com  as diferentes culturas.

E para finalizar, reitero a necessidade de eleger a multiplicação das bibliotecas públicas  como prioridade estratégica de uma política pública de leitura,  que devem ser concebidas como espaços de acolhimento para o cidadão e a cidadã, que têm direito ao aprendizagem da boa convivência;  à apropriação democrática dos bens culturais e ao  uso coletivo do espaço urbano, para se constituir sujeito ao longo do exercício permanente de práticas leitoras, da apreciação das diferentes formas artísticas e da possibilidade de desenvolvimento da própria linguagem.

Carmen Lúcia Bezerra Bandeira
Pedagoga e cidadã leitora.
Recife, abril de 2011


*A imagem acima foi retirada do blog  Salvador acontece

domingo, 17 de abril de 2011

Eu seguro a sua mão

Excelente peça publicitária do governo irlandês contra o bullyng homofóbico (vídeo legendado)


Campanha #eusougay

A campanha #EuSouGay foi lançada ontem, 12 de abril, na blogosfera e redes sociais virtuais pela jornalista Carol Almeida para combater a homofobia.Da mesma forma que a minha amiga Niara do blog Pimenta com Limão, de quem copiei a ideia desse post, também aderi a esta capanha e enviei vários emails a muitos contatos meus que se demonstraram extremamente sensibilizados com esta campanha, especialmente depois de terem lido o relato abaixo sobre o caso Adriele. Uma de minhas amigas enviou inclusive a foto acima postada, para participar da campanha. E eu reproduzo aqui o banner produzido pela Niara.




"Adriele Camacho de Almeida, 16 anos, foi encontrada morta na pequena cidade de Itarumã, Goiás, no último dia 6. O fazendeiro Cláudio Roberto de Assis, 36 anos, e seus dois filhos, um de 17 e outro de 13 anos, estão detidos e são acusados do assassinato. Segundo o delegado, o crime é de homofobia. Adriele era namorada da filha do fazendeiro que nunca admitiu o relacionamento das duas. E ainda que essa suspeita não se prove verdade, é preciso dizer algo.
Eu conhecia Adriele Camacho de Almeida. E você conhecia também. Porque Adriele somos nós. Assim, com sua morte, morremos um pouco. A menina que aos 16 anos foi, segundo testemunhas, ameaçada de morte e assassinada por namorar uma outra menina, é aquela carta de amor que você teve vergonha de entregar, é o sorriso discreto que veio depois daquele olhar cruzado, é o telefonema que não queríamos desligar. É cada vez mais difícil acreditar, mas tudo indica que Adriele foi vítima de um crime de ódio porque, vulnerável como todos nós, estava amando.
Sem conseguir entender mais nada depois de uma semana de “Bolsonaros”, me perguntei o que era possível ser feito. O que, se Adriele e tantos outros já morreram? Sim, porque estamos falando de um país que acaba de registrar um aumento de mais de 30% em assassinatos de homossexuais, entre gays, lésbicas e travestis.
E me ocorreu que, nessa ideia de que também morremos um pouco quando os nossos se vão, todos, eu, você, pais, filhos e amigos podemos e devemos ser gays. Porque a afirmação de ser gay já deixou de ser uma questão de orientação sexual.
Ser gay é uma questão de posicionamento e atitude diante desse mundo tão miseravelmente cheio de raiva.
Ser gay é ter o seu direito negado. É ser interrompido. Quantos de nós não nos reconhecemos assim?
Quero então compartilhar essa ideia com todos.
Sejamos gays.
Independente de idade, sexo, cor, religião e, sobretudo, independente de orientação sexual, é hora de passar a seguinte mensagem pra fora da janela: #EUSOUGAY
.
Para que sejamos vistos e ouvidos é simples:
.
1) Basta que cada um de vocês, sozinhos ou acompanhados da família, namorado, namorada, marido, mulher, amigo, amiga, presidente, presidenta, tirem uma foto com um cartaz, folha, post-it, o que for mais conveniente, com a seguinte mensagem estampada: #EUSOUGAY
2) Enviar essa foto para o mail projetoeusougay@gmail.com
3) E só :-)
. 
Todas essas imagens serão usadas em uma vídeo-montagem será divulgada pelo You Tube e, se tudo der certo, por festivais, fóruns, palestras, mesas-redondas e no monitor de várias pessoas que tomam a todos nós que amamos por seres invisíveis.
A edição desse vídeo será feita pelo Daniel Ribeiro, diretor de curtas que, além de lindos de morrer, são super premiados: Café com LeiteEu Não Quero Voltar Sozinho.
Quanto à minha pessoa, me chamo Carol Almeida, sou jornalista e espero por um mundo melhor, sempre.
As fotos podem ser enviadas até o dia 1º de maio.
Como diria uma canção de ninar da banda Belle & Sebastian: ”Faça algo bonito enquanto você pode. Não adormeça.” Não vamos adormecer. Vamos acordar. Acordar Adriele".
.
"Convido a todos os blogueiros de plantão a dar um Ctrl C + Ctrl V neste texto e saírem replicando essa iniciativa"  Carol Almeida

sábado, 16 de abril de 2011

Relatos sobre vidas afetadas pela ditadura militar

Tive várias pessoas da minha família atingidas diretamente pelo golpe militar de 1964. De imediato, dois primos meus perderam seu emprego na Agência Nacional, como jornalistas. Um deles, o meu primo mais velho, teve de sair do Recife porque aqui não conseguia mais trabalhar. Foi para São Paulo com a esposa e quatro filhos pequenos e hoje vivem todos em Niterói. O seu irmão mais novo entrou na Faculdade e se envolveu no Movimento Estudantil, passando depois a atuar em partidos clandestinos. Foi preso e barbaramente torturado em 1970 (falei um pouco sobre ele em post abaixo), com apenas 20 anos de idade. Ficou preso durante 9 anos e saiu da prisão anistiado. Uma prima minha também se envolveu no movimento estudantil, chegou a ser presa por alguns dias e depois, junto com  o seu companheiro, foi atuar na guerrilha do Araguaia. Seu marido foi preso e também barbaramente torturado. Depois conseguiram fugir para o Chile, deixando aqui a sua filhinha de apenas 1 ano. Meses mais tarde levaram a garota para junto deles, através de uma pessoa da Cruz Vermelha. Com o golpe militar no Chile se refugiaram na Embaixada Brasileira e de lá saíram direto para o Canadá como exilados políticos. A fulga deles do Brasil também foi bastante complicada. No Canadá passaram 6 anos. A minha prima perdeu o pai durante esse tempo e não pode vir ao seu enterro. Retornaram ao Brasil com a anistia. No Canadá tiveram mais 2 filhos, outra menina e um menino.
Em 1974 eu entrei na Faculdade. Estudava na Universidade Federal de Pernambuco. Lembro bem dos primeiros movimentos para se criar diretórios de estudantes, o quanto todos tinham tanto medo. Visitei o meu primo, na época preso no presídio do Recife, onde hoje funciona a Casa da Cultura, que manteve toda a estrutura da antiga cadeia. Tinha 15 para 16 anos quando isso aconteceu. Depois, só fui visitá-lo novamente quando já havia sido transferido, junto com os demais presos políticos, assim como os comuns, para a Penitenciária Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá, há mais ou menos 40 minutos do Recife, instalada no meio de uma mata. Tinha 19 anos e já estava na Faculdade e encantei-me com todas as histórias de vida daquelas pessoas, para mim, verdadeiros heróis, pois que lutaram bravamente contra a opressão em nosso país, apesar de tão pouca idade. Comecei então a namorar o meu primo e mantive durante 3 anos um relacionamento com ele ainda preso. Na prisão, concebemos o nosso filho, tesouro da minha vida, hoje com 31 anos. Em novembro de 1979, o pai do meu filho foi solto através do processo de anistia. Nosso menino nasceu em janeiro de 1980. Nesse período, participei ativamente do Movimento Nacional de Anistia. O início de vida fora da prisão não foi fácil. Recebíamos muito apoio de antigos companheiros e familiares , mas o processo de adaptação do meu primo, na época meu marido, assim como de muitos outros ex-presos políticos, foi bastante difícil. Hoje não estamos mais juntos, mas preservamos uma amizade muito forte. Somos irmãos. 
Outro fato que pontuo aqui é sobre a irmã mais nova do meu primo e minha prima também. Junto com seus pais, ela ia semanalmente visitar o irmão na prisão e um belo dia foi chamada no 4º exército, sem mais nem menos, onde foi entrevistada e sofreu humilhações. Ela era uma pessoa que, em nenhum momento, havia se envolvido em qualquer movimento político, pelo fato mesmo de que seus pais dedicavam a ela uma extrema proteção, com medo de que mais uma pessoa da família fosse afetada. Poderia aqui relatar muitas outras coisas sobre essa época, ainda, mas vou tentar fazer isto aos poucos. Abaixo, deixo postado um pequeno documentário onde 15 filhos de guerrilheiros falam de suas vidas em meio à ditadura.


#desarquivando


domingo, 10 de abril de 2011

Sobre Realengo, escola e mídia

Reproduzo aqui o texto da Ana Flávia C.Ramos, postado no Blog Tabnarede, sobre a tragédia do Realengo e de como a sociedade está reagindo diante da espetacularização que a mídia vem fazendo em torno da tragédia. O texto da Flávia é uma excelente reflexão sobre tudo que vem acontecendo e que vem sendo falado sobre essa grande tragédia.



 A escola não é uma ilha




Tragédias como a ocorrida na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, sempre provocam grande comoção pública, indignação e, obviamente, tristeza pelas muitas crianças perdidas no atentado. Além desses sentimentos, tais fatos provocam também um grande tsunami de “especialistas”, mobilizados em velocidade estonteante pela mídia, para dar laudos e explicações quase matemáticas sobre as motivações do assassino. O atirador Wellington Menezes de Oliveira, segundo as informações desses “cientistas da tragédia” (que variam de “criminólogos” a policiais militares), era tímido, solitário, filho adotivo, “usuário” constante do computador (a “droga” dos tempos modernos segundo os “analistas”), ateu, islâmico, fanático, fundamentalista, portador do vírus da AIDS e, provavelmente, vítima de bullying na escola.
Certamente não há como contestar que todo ato humano, e por isso histórico, se explica a partir da análise de uma cadeia de relações complexas. Como digo aos alunos, nada tem resposta simples e direta. Entretanto, o tipo de questão levantada para entender o terrível ato de Wellington Menezes de Oliveira diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre ele. Todos os nossos preconceitos estão embutidos nessas respostas. De fato, não sabemos, e talvez nunca saibamos, por que exatamente ele atirou contra cada uma das crianças (em sua maioria meninas), assim como não sabemos sobre as reais motivações dos muitos atentados como esse, ocorridos em países como Estados Unidos e Dinamarca. Mesmo depois de tudo o que se discutiu, ainda é difícil, por exemplo, explicar Columbine (abril de 1999).
Uma das coisas que mais tem me chamado a atenção é a recorrência da explicação que elege o bullying escolar como um dos fatores que podem desencadear esse tipo de ato violento. A explicação não é nova, Columbine é prova disso. Há mais de dez anos atrás, dois meninos entram em uma escola, de capa preta (quase como em um filme hollywoodiano) e atiram em seus colegas. “Especialistas”, gringos agora, se apressam em dizer as razões: divórcio nas famílias, videogames, filmes violentos, Marilyn Manson, porte de armas facilitado e, como não poderia faltar, bullying na escola.
É inegável que o bullying é uma realidade. É indiscutível que ele é extremamente nocivo e doloroso aos alunos que sofrem com ele. É evidente que há urgência em iniciar um debate para saber como sanar o problema. Mas a pergunta que fica é: o que de fato é o bullying? Ele é um sinal (histórico) de que? E ainda mais: ele é um problema restrito à escola? Por que os alunos são tão cruéis com seus colegas?
Michael Moore, cineasta norte-americano explosivo, tentou dar a sua interpretação para o atentado de Columbine com o documentário Bowling for Columbine (2002).  Moore, ao invés de repetir os clichês da mídia, foi implacável na destruição do senso comum das justificativas moralistas para o evento. Item por item, desde a desagregação da família, Manson, até a polêmica questão do porte de armas foram desconstruídos em sua narrativa. O foco centrou-se em respostas muito mais interessantes, localizadas não nos dois jovens assassinos, mas na sociedade americana. O imperialismo militarista dos Estados Unidos, a ação violenta em outros países, a política do medo (incentivada pelo Estado e pela grande mídia), que reforça e superestima dados sobre a violência urbana, sobre o fim de mundo, e, principalmente, a intolerância com todo tipo de diferença. Racismo, preconceito, homofobia, conflitos religiosos e luta de classes são só alguns dos ingredientes do caldeirão de ódios em que se transformou a sociedade americana.
Como crescer no Colorado, na “livre” América, e não ser conspurcado por esses valores? Como não idolatrar armas e achar que elas são um meio prático de solucionar problemas? Como viver imune a uma sociedade individualista, capitalista, que divide os seus cidadãos o tempo todo em “winners” e “loosers”? E mais ainda, como não se deixar levar por uma sociedade que até hoje não consegue lidar com a diferença entre brancos e negros? Uma sociedade que até os anos 1960 não oferecia direitos, oportunidades e tratamentos iguais a todos os seus cidadãos, tem o que para oferecer ao pensamento dos estudantes? Os americanos, ainda hoje, estão preparados para o respeito à diferença? A relação que eles mantêm com os muçulmanos diz muito. Definitivamente a liberdade e o respeito ainda não se transformaram em uma unanimidade por lá.
É claro que mesmo Moore não chega a dar respostas definitivas sobre a questão. E mais ainda: é evidente que ele considera a forma pela qual a instituição ESCOLA trata seus alunos (hierarquias e classificações hostis), ignorando muitas vezes o bullying, tem sua responsabilidade no massacre. Assim como é nítido que a venda facilitada de armas e munição são coadjuvantes importantes da história. Mas Moore foi corajoso ao lançar em cada um dos americanos a responsabilidade da tragédia e discutir aquilo que ninguém teve coragem (ou má fé) de fazer. Nem a mídia, nem o governo, nem a sociedade. É preciso encarar os “monstros”, com franqueza, e não apenas “satanizar” o ambiente escolar, para dar algum significado para esses eventos.
Ontem no Terra Magazine o antropólogo Roberto Albergaria afirmou que a mídia e a sociedade brasileira desejavam o impossível: explicações para um “desvario sem significado”. Segundo ele, o que Wellington Menezes praticou foi o que os estudos franceses chamam de “violência pós-moderna”, caracterizada por uma ruptura irracional, sem explicação. De fato, talvez tenha sido um “ato irracional”, fruto de um momento de insanidade. Mas acredito que esse tipo de resposta não nos ajuda a resolver coisas importantes sobre nós mesmos. A tragédia no Realengo, a meu ver, pode e deve ser início de um debate importante sobre a nossa sociedade.
A tragédia na escola do Rio de Janeiro acontece num contexto bastante relevante. Em outubro de 2009, Geyse Arruda foi hostilizada por seus colegas de faculdade porque, segundo eles, ela não sabia se vestir de modo “apropriado” para freqüentar as aulas. Em junho de 2010, Bruno, goleiro do Flamengo, é suspeito de matar a ex-namorada, Elisa Samudio, por não querer pagar pensão ao filho. Suposta garota de programa, Samudio foi hostilizada na opinião de muitos brasileiros. Após rompimento, Mizael Bispo, inconformado, mata sua ex-namorada Mércia Nakashima em maio de 2010. Em novembro de 2010, grupos de jovens agridem homossexuais na Avenida Paulista, enquanto Mayara Petruso incita o assassinato de nordestinos pelo Twitter. E mais recentemente, em cadeia nacional, Jair Bolsonaro faz discurso de ódio contra homossexuais e negros. Tudo isso instigado e complementado pelo discurso intolerante, preconceituoso, conservador e mentiroso do candidato José Serra à presidência da República. A mídia? Estava ao lado de Serra, corroborando em suas artimanhas, reforçando preconceitos contra Dilma, contra as mulheres e contra os tantos mais “adversários” do candidato tucano.
Wellington matou mais meninas na escola carioca. Se, por um lado, jamais saberemos as reais razões que o fizeram agir dessa forma, por outro sabemos o quanto a sociedade brasileira tem sido, no mínimo, indulgente com atos de intolerância, machismo, ódio e preconceito contra mulheres, negros e homossexuais. Se não há uma ligação direta entre esses diversos acontecimentos, eles pelo menos nos fazem pensar o quanto vale a vida de alguém em um contexto de tantos ódios? Quantas mulheres morrerão hoje vítimas do machismo? Quantos gays sofreram violência física? Quantos negros sentirão declaradamente o ódio racial que impregna o nosso país? O que é o bullying se não o prolongamento para a escola desse tipo de mentalidade? Quantas pessoas apoiaram as declarações de ódio de Bolsonaro via Facebook? Aquilo que acontece no ambiente escolar nada mais é do que um microcosmo do que a sociedade elege como valores primordiais. E o Brasil, que por tanto tempo negou a “pecha” de racista e preconceituoso, vê sua máscara cair.
Não adianta culpar o bullying, achando que ele é um problema de jovens, um problema das escolas. Não adiante grades e detectores de metal nas entradas ou a proibição da venda de armas. Como professora, sei que o que os alunos reproduzem em sala nada mais é do que ouviram da boca de seus pais ou na mídia. Não adiante pedir paz e tolerância no colégio enquanto a mídia e a sociedade fazem outra coisa. Na escola, o problema do bullying é tratado como algo independente da realidade política, econômica e social do país. Mas dá pra separar tudo isso? Dá pra colocar a questão só em “valores” dos adolescentes, da influência do malvado do computador ou dos videogames? Ou é suficiente chamar o ato de Wellington de uma “violência pós-moderna” sem explicação? Das muitas agressões cotidianas, a da escola do Realengo é apenas uma demonstração da potencialidade de nossos ódios. A única coisa que me pergunto é: teremos a coragem de fazer esse tipo de discussão?
Ana Flávia C. Ramos


sexta-feira, 1 de abril de 2011

1º de abril de 1964 - não foi um dia de mentira. Foi um dia de realidade latente e avassaladora

 
 

 
Francisco de Assis, Assis para os familiares ou Chico de Assis para os amigos é meu primo e ex-companheiro. Pai do meu filho. Preso em 1970, com apenas 20 anos, por sua participação no movimento contra a ditadura militar, foi barbaramente torturado e passou 9 anos na cadeia, tendo sido libertado em 1979 quando foi anistiado. Sua história não pode cair no esquecimento, como muitas outras de jovens que também foram presos, exilados ou simplesmente mortos, sem que suas famílias saibam até hoje do seu paradeiro, sem poderem ao menos terem seus restos mortais sepultados dignamente, considerados até hoje apenas como desaparecidos.
Pela abertura total, ampla e irrestrita dos arquivos da ditadura militar.
Não é revanchismo, é justiça, é luta pela preservação da memória de um país que parece preferir o esquecimento. Esta história não pode ser apagada. Os responsáveis por tantas monstruosidades tem de ser julgados. A Argentina acaba de mandar mais um dos generais da ditadura para a prisão perpétua. Apenas o Brasil não quer enfrentar os seus fantasmas. Pois bem, as famílias de todos os desaparecidos e de todos os que foram vítimas da ditadura militar, que tiveram suas vidas destroçadas, suas famílias separadas, filhos irmãos, primos, pais, avós, torturados, mortos,exilados, presos. Essas famílias e os que sofreram diretamente tanto abuso, estes não pretendem esquecer jamais.








Foto de Chico de Assis na Penitenciária Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá, Pernambuco, já nos últimos anos de sua prisão.


 Texto de Francisco de Assis Barreto da Rocha Filho postado em sua página do Orkut


...01o DE ABRIL DE 1964: a imagem que mais me ocorre ao lembrar esse dia é a minha saída do prédio da Agência Nacional (o mesmo dos Correios na Av. Guararapes), onde trabalhava como repórter-auxiliar, acompanhado de meu irmão mais velho (também metido em subversão à época) e de velhos comunistas que trabalhavam na Agência. As ruas já respiravam o clima de golpe, o Palácio das Princesas estava cercado por tropas do Exército, o governador Miguel Arraes assumia a digna posição que o projetaria para a História, recusando-se a renunciar ou a aderir aos golpistas, e eu saía do trabalho meio assustado com tudo, disposto a sondar o ambiente. Não podia supor que toda aquela estrutura - que havia levado o velho Prestes, sete dias antes, a dizer que as conquistas sociais eram irreversíveis e que nada deteria o avanço do povo – estivesse desmoronando implacavelmente aos nossos pés.
Mal cheguei na ponte principal que corta a cidade, quando me deparei com a passeata de estudantes, bancários e alguns poucos trabalhadores de outras categorias, que se dirigiam ao Palácio, em solidariedade ao governador sitiado. Naturalmente, me incorporei a ela. Quando chegamos a esquina da Guararapes com Dantas Barreto, a um quarteirão do Palácio, as tropas do Exército se movimentaram em nossa direção. Pusemo-nos a cantar o Hino Nacional e a desenrolar as bandeiras nacionais que conduzíamos, na esperança de que o gesto paralisasse as tropas, como ocorrera em outras escaramuças anteriores. Acontece que o clima era de dissolução da ordem constitucional e quem começara a rasgar a Constituição em outros pontos do país, não iria deixar de continuar rasgando-a, por conta de trezentos gatos pingados recifenses, cantando com todo orgulho o hino da pátria. Várias rajadas de metralhadora foram a resposta que tivemos aos nossos gritos de fascistas e de não passarão – pra não perder a oportunidade de copiar palavras de ordem vindas de outras realidades, vício incorrigível das esquerdas em todos os tempos. Bem juntinho de mim, em meio a uma poça de sangue, esparramou-se o corpo de Jonas Albuquerque, menino poeta de 16 anos, meu colega no Colégio Estadual de Pernambuco, que teve o queixo arrancado pela rajada. Só fui parar de correr em casa (minha família morava à época em bairro central) para arrumar uma pequena mochila, ouvir o choro de minha mãe e as eternas admoestações do meu pai, “quem não obedece ao pai, tem que obedecer a polícia”.
Meu pai era o velho protótipo do funcionário público, com concepções diametralmente opostas às minhas e vida completamente diferente em tudo da que eu desejava ter. Tive com ele uma relação que pode ser considerada boa, para os padrões da época e da camada social a que pertencíamos – a nossa tradicional, mesquinha e angustiada classe média. Mas as lacunas nessa relação eram evidentes e alguma coisa mal resolvida acompanhou todo o seu transcurso, tanto que o romance que escrevi narrando as peripécias da nossa geração (“A Trilha do Labirinto”), começa e termina com um diálogo entre pai e filho (observação feita casualmente por uma amiga, que me flagrou envolvido nas artimanhas do meu inconsciente). Deixei aos dois em pânico e saí meio sem rumo, na expectativa de encontrar alguma orientação, um pouquinho mais ajuizada que a recebida por um vulto agalegado, que conhecia das assembléias estudantis, logo depois que saí de casa: “agora é pegar em armas, companheiro; faca, revólver, facão e se juntar no campo ao velho Griga!”. O velho Griga era o velho Gregório Bezerra, que naquele exato momento era arrastado pelas ruas de Casa Forte, uma corda amarrada ao pescoço, para gáudio dos torturadores recém-vitoriosos e escândalo das tradicionais famílias do bairro, que começavam a descobrir o tipo de sistema que elas mesmas haviam engendrado nas famosas passeatas com Deus, pela Família e pela Liberdade, do pré-64. Eu me limitei a rir diante do companheiro (espécie de reação nervosa que me ocorre quando não sei bem o que fazer) e segui meu caminho ou descaminho. A noite se abateu literalmente, não só sobre o Recife...