sábado, 16 de abril de 2011

Relatos sobre vidas afetadas pela ditadura militar

Tive várias pessoas da minha família atingidas diretamente pelo golpe militar de 1964. De imediato, dois primos meus perderam seu emprego na Agência Nacional, como jornalistas. Um deles, o meu primo mais velho, teve de sair do Recife porque aqui não conseguia mais trabalhar. Foi para São Paulo com a esposa e quatro filhos pequenos e hoje vivem todos em Niterói. O seu irmão mais novo entrou na Faculdade e se envolveu no Movimento Estudantil, passando depois a atuar em partidos clandestinos. Foi preso e barbaramente torturado em 1970 (falei um pouco sobre ele em post abaixo), com apenas 20 anos de idade. Ficou preso durante 9 anos e saiu da prisão anistiado. Uma prima minha também se envolveu no movimento estudantil, chegou a ser presa por alguns dias e depois, junto com  o seu companheiro, foi atuar na guerrilha do Araguaia. Seu marido foi preso e também barbaramente torturado. Depois conseguiram fugir para o Chile, deixando aqui a sua filhinha de apenas 1 ano. Meses mais tarde levaram a garota para junto deles, através de uma pessoa da Cruz Vermelha. Com o golpe militar no Chile se refugiaram na Embaixada Brasileira e de lá saíram direto para o Canadá como exilados políticos. A fulga deles do Brasil também foi bastante complicada. No Canadá passaram 6 anos. A minha prima perdeu o pai durante esse tempo e não pode vir ao seu enterro. Retornaram ao Brasil com a anistia. No Canadá tiveram mais 2 filhos, outra menina e um menino.
Em 1974 eu entrei na Faculdade. Estudava na Universidade Federal de Pernambuco. Lembro bem dos primeiros movimentos para se criar diretórios de estudantes, o quanto todos tinham tanto medo. Visitei o meu primo, na época preso no presídio do Recife, onde hoje funciona a Casa da Cultura, que manteve toda a estrutura da antiga cadeia. Tinha 15 para 16 anos quando isso aconteceu. Depois, só fui visitá-lo novamente quando já havia sido transferido, junto com os demais presos políticos, assim como os comuns, para a Penitenciária Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá, há mais ou menos 40 minutos do Recife, instalada no meio de uma mata. Tinha 19 anos e já estava na Faculdade e encantei-me com todas as histórias de vida daquelas pessoas, para mim, verdadeiros heróis, pois que lutaram bravamente contra a opressão em nosso país, apesar de tão pouca idade. Comecei então a namorar o meu primo e mantive durante 3 anos um relacionamento com ele ainda preso. Na prisão, concebemos o nosso filho, tesouro da minha vida, hoje com 31 anos. Em novembro de 1979, o pai do meu filho foi solto através do processo de anistia. Nosso menino nasceu em janeiro de 1980. Nesse período, participei ativamente do Movimento Nacional de Anistia. O início de vida fora da prisão não foi fácil. Recebíamos muito apoio de antigos companheiros e familiares , mas o processo de adaptação do meu primo, na época meu marido, assim como de muitos outros ex-presos políticos, foi bastante difícil. Hoje não estamos mais juntos, mas preservamos uma amizade muito forte. Somos irmãos. 
Outro fato que pontuo aqui é sobre a irmã mais nova do meu primo e minha prima também. Junto com seus pais, ela ia semanalmente visitar o irmão na prisão e um belo dia foi chamada no 4º exército, sem mais nem menos, onde foi entrevistada e sofreu humilhações. Ela era uma pessoa que, em nenhum momento, havia se envolvido em qualquer movimento político, pelo fato mesmo de que seus pais dedicavam a ela uma extrema proteção, com medo de que mais uma pessoa da família fosse afetada. Poderia aqui relatar muitas outras coisas sobre essa época, ainda, mas vou tentar fazer isto aos poucos. Abaixo, deixo postado um pequeno documentário onde 15 filhos de guerrilheiros falam de suas vidas em meio à ditadura.


#desarquivando


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