sexta-feira, 1 de abril de 2011

1º de abril de 1964 - não foi um dia de mentira. Foi um dia de realidade latente e avassaladora

 
 

 
Francisco de Assis, Assis para os familiares ou Chico de Assis para os amigos é meu primo e ex-companheiro. Pai do meu filho. Preso em 1970, com apenas 20 anos, por sua participação no movimento contra a ditadura militar, foi barbaramente torturado e passou 9 anos na cadeia, tendo sido libertado em 1979 quando foi anistiado. Sua história não pode cair no esquecimento, como muitas outras de jovens que também foram presos, exilados ou simplesmente mortos, sem que suas famílias saibam até hoje do seu paradeiro, sem poderem ao menos terem seus restos mortais sepultados dignamente, considerados até hoje apenas como desaparecidos.
Pela abertura total, ampla e irrestrita dos arquivos da ditadura militar.
Não é revanchismo, é justiça, é luta pela preservação da memória de um país que parece preferir o esquecimento. Esta história não pode ser apagada. Os responsáveis por tantas monstruosidades tem de ser julgados. A Argentina acaba de mandar mais um dos generais da ditadura para a prisão perpétua. Apenas o Brasil não quer enfrentar os seus fantasmas. Pois bem, as famílias de todos os desaparecidos e de todos os que foram vítimas da ditadura militar, que tiveram suas vidas destroçadas, suas famílias separadas, filhos irmãos, primos, pais, avós, torturados, mortos,exilados, presos. Essas famílias e os que sofreram diretamente tanto abuso, estes não pretendem esquecer jamais.








Foto de Chico de Assis na Penitenciária Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá, Pernambuco, já nos últimos anos de sua prisão.


 Texto de Francisco de Assis Barreto da Rocha Filho postado em sua página do Orkut


...01o DE ABRIL DE 1964: a imagem que mais me ocorre ao lembrar esse dia é a minha saída do prédio da Agência Nacional (o mesmo dos Correios na Av. Guararapes), onde trabalhava como repórter-auxiliar, acompanhado de meu irmão mais velho (também metido em subversão à época) e de velhos comunistas que trabalhavam na Agência. As ruas já respiravam o clima de golpe, o Palácio das Princesas estava cercado por tropas do Exército, o governador Miguel Arraes assumia a digna posição que o projetaria para a História, recusando-se a renunciar ou a aderir aos golpistas, e eu saía do trabalho meio assustado com tudo, disposto a sondar o ambiente. Não podia supor que toda aquela estrutura - que havia levado o velho Prestes, sete dias antes, a dizer que as conquistas sociais eram irreversíveis e que nada deteria o avanço do povo – estivesse desmoronando implacavelmente aos nossos pés.
Mal cheguei na ponte principal que corta a cidade, quando me deparei com a passeata de estudantes, bancários e alguns poucos trabalhadores de outras categorias, que se dirigiam ao Palácio, em solidariedade ao governador sitiado. Naturalmente, me incorporei a ela. Quando chegamos a esquina da Guararapes com Dantas Barreto, a um quarteirão do Palácio, as tropas do Exército se movimentaram em nossa direção. Pusemo-nos a cantar o Hino Nacional e a desenrolar as bandeiras nacionais que conduzíamos, na esperança de que o gesto paralisasse as tropas, como ocorrera em outras escaramuças anteriores. Acontece que o clima era de dissolução da ordem constitucional e quem começara a rasgar a Constituição em outros pontos do país, não iria deixar de continuar rasgando-a, por conta de trezentos gatos pingados recifenses, cantando com todo orgulho o hino da pátria. Várias rajadas de metralhadora foram a resposta que tivemos aos nossos gritos de fascistas e de não passarão – pra não perder a oportunidade de copiar palavras de ordem vindas de outras realidades, vício incorrigível das esquerdas em todos os tempos. Bem juntinho de mim, em meio a uma poça de sangue, esparramou-se o corpo de Jonas Albuquerque, menino poeta de 16 anos, meu colega no Colégio Estadual de Pernambuco, que teve o queixo arrancado pela rajada. Só fui parar de correr em casa (minha família morava à época em bairro central) para arrumar uma pequena mochila, ouvir o choro de minha mãe e as eternas admoestações do meu pai, “quem não obedece ao pai, tem que obedecer a polícia”.
Meu pai era o velho protótipo do funcionário público, com concepções diametralmente opostas às minhas e vida completamente diferente em tudo da que eu desejava ter. Tive com ele uma relação que pode ser considerada boa, para os padrões da época e da camada social a que pertencíamos – a nossa tradicional, mesquinha e angustiada classe média. Mas as lacunas nessa relação eram evidentes e alguma coisa mal resolvida acompanhou todo o seu transcurso, tanto que o romance que escrevi narrando as peripécias da nossa geração (“A Trilha do Labirinto”), começa e termina com um diálogo entre pai e filho (observação feita casualmente por uma amiga, que me flagrou envolvido nas artimanhas do meu inconsciente). Deixei aos dois em pânico e saí meio sem rumo, na expectativa de encontrar alguma orientação, um pouquinho mais ajuizada que a recebida por um vulto agalegado, que conhecia das assembléias estudantis, logo depois que saí de casa: “agora é pegar em armas, companheiro; faca, revólver, facão e se juntar no campo ao velho Griga!”. O velho Griga era o velho Gregório Bezerra, que naquele exato momento era arrastado pelas ruas de Casa Forte, uma corda amarrada ao pescoço, para gáudio dos torturadores recém-vitoriosos e escândalo das tradicionais famílias do bairro, que começavam a descobrir o tipo de sistema que elas mesmas haviam engendrado nas famosas passeatas com Deus, pela Família e pela Liberdade, do pré-64. Eu me limitei a rir diante do companheiro (espécie de reação nervosa que me ocorre quando não sei bem o que fazer) e segui meu caminho ou descaminho. A noite se abateu literalmente, não só sobre o Recife...

3 comentários:

  1. Gostaria de autorização pra postar no meu blog, com os devidos créditos.

    Bjs

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  2. Olá Fernanda, fique à vontade. Isso é muito bom, quanto mais a gente propagar essas histórias, mais estaremos ajudando o Brasil a alcançar a idade adulta. Depois deixa o nome de seu blog por aqui, ok? Bjs

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  3. Já achei o seu blog através de seu nome aqui em cima. Vou apreciar melhor edepois deixo por lá comentários também, ok Fernanda?

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