“Arrancaram-me o ramo de oliveira, razão de meu vôo...
Quiseram impingir-me outro ramo de pseudo paz.
Já descobri em meio ao dilúvio de ódio e de guerra,
em maré crescente,
minorias que cultivam oliveiras de verdade,
símbolos fiéis da paz verdadeira.....” Dom Hélder Câmara
Conheci D.Hélder aqui em Recife, através de uma celebração de primeira comunhão no grupo escolar onde estudava. Mais tarde, já jovem, vivenciei outros momentos em que ele esteve presente, sempre à frente de uma celebração eucarística, uma delas em uma comunidade próxima ao município de Igarassu, cidade pernambucana. A missa foi realizada em prol das lutas daquela comunidade, ameaçada de perder as suas terras.
A outra situação em que estive bem próxima a D.Hélder foi na década de 1970, no ano de 1979. Era então companheira de preso político, meu primo e futuro pai do meu filho, que já contava 8 anos prisioneiro ao lado de outros tantos que haviam lutado contra a ditadura militar implantada em nosso país em 1964, tendo sido torturado no Dops e depois, durante 30 dias, nas dependências do quartel da Aeronáutica em Recife. Uma prima minha também fora exilada, primeiro no Chile, depois no Canadá, junto com o seu marido e a primeira filha dos dois. Ela também enfrentou uma prisão, por poucos dias, quando ainda era estudante universitária e mais tarde, ambos se envolveram na guerrilha do Araguaia. Foram duramente perseguidos e ele preso e barabaramente torturado. Ao ser solto, tiveram que deixar o país por causa das ameaças constantes. Um outro primo vivia no sudeste do Brasil porque não conseguia refazer sua vida em Recife desde o golpe de 1964.
Meu companheiro, naquela época, participava então, junto a vários outros presos políticos de outras regiões, de uma greve de fome em favor da Anistia Ampla Geral e Irrestrita, que durou em torno de 33 dias.Esta ação estava engajada no Movimento Nacional pela Anistia encabeçado pelo Comitê Brasileiro de Anistia (CBA), fundado em 1978 no Rio de Janeiro.
Nós, os familiares, muitos deles participantes ativos dessa luta, tentávamos por todos os meios chamar a atenção da sociedade e das autoridades para que a Anistia fosse promulgada. Dom Hélder Câmara foi uma grande voz dessa campanha e foi a ele que recorremos, as mães, esposas, filhos, netos, parentes enfim, no sentido de fazer um apelo pelos rapazes em greve de fome, encabeçando um culto ecumênico em nossa cidade. O Dom, com seu grande coração e consciência política, atendeu ao apelo cheio de emoção, especialmente das mães, algumas já idosas, que temiam pela sorte de seus filhos há tanto tempo sem alimentação. E lá, na pequena sala em que atendia na Igreja das Fronteiras, onde morou até seu falecimento, ele concordou em participar da celebração.
Dom Hélder foi duramente perseguido durante o período da ditadura militar, todos sabemos. Teve sua casa metralhada, enterrou o Pe. Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, 29 anos de idade, seu assistente para o meio estudantil, barbaramente assassinado pelo Comando de Caça aos Comunistas, na Cidade Universitária em Recife. A partir de então, denunciou constantemente a tortura contra os presos políticos no Brasil.
Assim, com todo cuidado que a situação exigia, a celebração aconteceu na Igreja Matriz da Boa Vista, na conhecida Rua da Imperatriz. A Igreja lotou e juntos cantávamos belas canções de amor ao próximo, a canção de São Francisco foi uma delas, e chorávamos. Foi um ato heróico, foi um momento inesquecível que faz parte da história pela redemocratização do nosso país, história esta tão pouco comentada, fatos tão pouco propagados (não encontrei nenhuma foto desta celebração aqui na internet; não tenho lembrança se a mesma foi divulgada nos meios jornalísticos em Pernambuco ou em qualquer outra parte do Brasil), mas que ficarão para sempre na memória daqueles que lá estiveram presentes, familiares, estudantes, representantes de diversas entidades pertencentes ao movimento social que lentamente ressurgia, entre outros. Como para sempre em nossos corações ficará Dom Hélder Câmara, o Dom da verdade e da paz, o santo rebelde.
"Quando eu pedia às pessoas que ajudassem os pobres, era chamado de santo. Mas quando fazia a pergunta: por que existe tanta pobreza? Era chamado de comunista”.
(Dom Hélder Camara)
Dom Helder Câmara - O Santo Rebelde
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